12 de julho de 2013

A APLICAÇÃO QUE CRISTO FEZ DO ANTIGO TESTAMENTO

O propósito deste livro é triplo: (1) Descobrir como entendeu Cristo os livros de Moisés, os Profetas e os Salmos; (2) formular os princípios hermenêuticos de Cristo para interpretar as profecias da Bíblia; (3) aplicar esses princípios às profecias não cumpridas, especialmente às do Apocalipse.
Como cristãos que acreditam na verdade do evangelho, que Jesus é o Messias prometido, precisamos saber como entendeu Cristo os livros de Moisés, os Profetas e os Salmos. Jesus é o verdadeiro intérprete das Santas Escrituras. Sua mensagem é nossa chave para descobrir o significado correto do Antigo Testamento. Se queremos compreender o Antigo Testamento, devemos compreendê-lo do ponto de vista de Deus. Portanto, nosso ponto de partida é a forma como Jesus explica o Antigo Testamento. A aplicação que Cristo fez das Escrituras de Israel é nosso modelo de interpretação bíblica. Nosso princípio guiador está apoiado sobre a convicção de que a atividade redentora de Deus na história do Israel alcançou seu cumprimento em Cristo. Portanto, trataremos de interpretar o Antigo Testamento à luz da vida e mensagem de Cristo como a Palavra encarnada de Deus, pois só dele se escreveu o seguinte:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo era com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus... E o Verbo foi feito carne, e habitou entre nós" (João 1:1, 2, 14).
Jesus e a Palavra de Deus
Deus enviou ao Jesus para revelar plenamente ao Deus do Israel em sua vida e ensino. Cristo afirmou que foi enviado com uma mensagem de Deus e que suas palavras procediam de Deus mesmo:
 
"Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar. E sei que o seu mandamento é a vida eterna. As coisas, pois, que eu falo, como o Pai mo tem dito, assim falo" (João 12:49, 50).
"Nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou  (João 8:28).
Só Cristo pode revelar o significado e o sentido algumas vezes oculto da Escritura e da história do Israel. Tanto os judeus como os samaritanos esperavam que viesse o Messias, pois ele "nos explicará isso tudo" (João 4:25, NBE). Sem vacilação, Jesus declarou: "Eu sou, o que fala contigo" (v. 26). "Jesus lhes disse: De certo de certo lhes digo: Antes que Abraão existisse, eu sou" (8:58).
O testemunho da autoridade de Jesus como o Messias se repete várias vezes no Novo Testamento (ver João 1; Col. 1 e 2; Heb. 1), e é de crucial importância para compreender as visões simbólicas do Apocalipse de João. No último livro da Bíblia, as imagens e os símbolos hebreus se aplicam consistentemente a Cristo e a sua nova comunidade do pacto como o novo Israel.
É evidente a necessidade que existe de ter um enfoque correto do Apocalipse. Primeiro devemos conhecer a verdade do evangelho de Cristo como foi ensinada por Jesus antes que possamos compreender o Apocalipse. Em interpretação profética, freqüentemente se descuidou o método adequado. É indispensável reconhecer a natureza progressiva e desdobrada da revelação divina dentro da Bíblia.
Deve permitir-se que os livros do Antigo Testamento nos contem sua própria mensagem, mas não como se fossem a última palavra de Deus. As Escrituras Hebraicas não são um cânon fechado da Escritura. Formam um registro incompleto da totalidade da revelação divina. Em sua major parte apresentam as promessas de Deus de um Messias vindouro como o maior dos profetas, o Rei supremo e o único Supremo Sacerdote. O Antigo Testamento termina com a promessa do Elias vindouro antes do dia de Jeová (Mal. 4:5, 6). Por outro lado, os escritos inspirados do Novo Testamento registram o começo dos cumprimentos das promessas messiânicas na vinda de Cristo (o Messias) Jesus, e em sua criação de uma nova comunidade messiânica: os cristãos (um nome que significa "povo do Messias").
O Apocalipse de João se concentra especialmente na gloriosa consumação de todas as realizações. Para receber uma compreensão mais profunda de Moisés, os Profetas e os Salmos, devemos aceitar o ensino de Cristo e seus apóstolos como a verdadeira interpretação das profecias e dos tipos hebraicos. O Novo Testamento funciona como a revelação final da verdade de Deus tal como se ensina nestas palavras apostólicas:
"Deus, tendo falado muitas vezes e de muitas maneiras em outro tempo aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, e por quem deste modo fez o universo" (Heb. 1:1, 2).
Assim como o Filho de Deus é imensamente maior que qualquer profeta de Israel, assim a palavra de Cristo é a norma para interpretar os escritos do Antigo Testamento. Jesus ensinou que as Escrituras Hebraicas estavam centradas na promessa messiânica. Sua especial preocupação foi ensinar aos judeus que a Escritura não é um fim em si mesma, que memorizar as palavras da Sagrada Escritura não produz méritos. O propósito da Escritura é levar a Cristo! "Vós perscrutais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim; vós, porém, não quereis vir a mim para terdes a vida" (João 5:39, 40, BJ).
Segundo Jesus, a Bíblia Hebraica está centrada em Cristo. Portanto, é essencial para um cristão descobrir o novo método com o qual Cristo explicou o Antigo Testamento. Dois dos discípulos de Jesus foram privilegiados para ouvir o Cristo ressuscitado explicar-lhes todas as Escrituras que se referiam a ele (Luc. 24:25-27). Como resultado, seus corações começaram a arder com um novo entusiasmo. Cristo "abriu-lhes o entendimento para que compreendessem as Escrituras". Mostrou-lhes como "era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito de mim, na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos" (Luc. 24:44, 45).
 
A pergunta provocadora para nós é: Podemos chegar a saber como interpretou Jesus o Antigo Testamento numa forma centrada em Cristo? Podemos descobrir a hermenêutica de seu enfoque cristocêntrico? Se podemos estabelecer os princípios hermenêuticos de Jesus para a profecia cumprida, saberemos como entender a profecia não cumprida, especificamente as profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse.
A Nova Revelação de Jesus o Messias
Para Jesus, as profecias messiânicas não eram predições isoladas, senão uma parte do extenso plano de Deus para a redenção do homem. Inclusive viu a história de Israel como uma série de eventos redentores que prefiguravam a grande salvação operada pelo Messias. Portanto, Cristo reconheceu que as promessas de Deus lhe foram dadas em dois níveis a Israel: tanto mediante predições verbais como mediante tipos históricos de libertação e juízo. Na Bíblia, um "tipo" é um acontecimento histórico, ou uma pessoa ou uma instituição, ordenado por Deus para prefigurar uma verdade redentora de Cristo. Jesus aplicou publicamente à sua pessoa a missão de Isaías de pregar as boas novas de Deus, de sarar as feridas de Israel e de pôr em liberdade aos oprimidos (Luc. 4:17-21 e Isa. 61:1, 2).
Entretanto, o que pôde ter deixado ainda mais pasmados os judeus foi a surpreendente declaração de Jesus de que ele era o Antítipo prometido ou a consumação de todos os profetas, dos reis e da mediação sacerdotal de Israel:
"E eis aqui está quem é maior do que Jonas" (Mat. 12:41).
"E eis aqui está quem é maior do que Salomão" (Mat. 12:42).
"Aqui está quem é maior que o templo" (Mat. 12:6).
Jesus incluso declarou que sua morte abnegada proveria o "sangue do novo pacto, que por muitos é derramado" (Mar. 14:24). Por todas estas afirmações, Jesus introduziu no judaísmo a assombrosa ideia de que tinha chegado o tempo dos antítipos. Apresentou-se a si mesmo como a realidade à qual apontavam todos os símbolos das instituições redentoras do Israel. Por conseguinte, anunciou solenemente na sinagoga que nele tinha começado a idade messiânica ou o ano do jubileu (libertação). Tendo citado a promessa messiânica do Isaías 61:1, disse: "Hoje se cumpriu esta Escritura diante de vós" (Luc. 4:21). Apontou seu triunfo sobre os demónios como uma prova de que o governo de Deus agora estava presente em Israel: "Mas se eu pelo Espírito de Deus expulso os demónios, certamente chegou o reino de Deus" (Mat. 12:28).
Onde se rechaça a Satanás, o reino de Deus se faz manifesto. Com Jesus entrou em operação o princípio salvífico soberano de Deus. Em outras palavras, com a primeira vinda de Cristo se inaugurou o tempo escatológico. "O tempo está cumprido", disse Jesus, "e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho" (Mar. 1:15). Tinha terminado o tempo de espera para o reino de Deus, e tinha começado o tempo do reinado de Deus no ministério de Cristo. Jesus é o iniciador do reino da graça de Deus. Como o Rei-Messias, representa o reino de Deus; como o doador da misericórdia divina, é o Mediador sacerdotal do reino de Deus. Em qualquer lugar que Cristo está presente, o reino de Deus irradia seu poder.
Jesus assegurou: "Eis que o reino de Deus está entre vós" (Luc. 17:21). A graça de Deus está dentro do alcance do homem onde quer que Jesus é proclamado como o Messias. Esta é a essência do evangelho. A verdade de que o Cristo ressuscitado é Senhor e está sentado à mão direita do trono de Deus, foi respaldado no dia de Pentecostes pelo derramamento do Espírito. O apóstolo Pedro anunciou então que os "últimos dias" tinham chegado, que tinham começado os dias do reinado espiritual de Cristo (At. 2:17; cf. Heb. 1:2).
Cristo, o Representante do Novo Israel
Que Jesus afirmasse ser o Messias da profecia não deve obscurecer o fato de que o Messias também foi designado para ser o perfeito representante de Israel. O pacto de Deus com Israel tem que realizar-se em obediência perfeita ao Messias. Como a personificação de Israel, o profeta descreve a Cristo como "o servo do Senhor" assim como Israel tinha sido designado o servo do Senhor (Isa. 42-53). Assim como Israel, Cristo também foi chamado "Filho" de Deus (Êxo. 4:22; Isa. 42:1; Mat. 3:17). Jesus foi enviado para suportar a mesma enxurrada de provas que teve Israel, para vencer onde Israel tinha fracassado. Depois de seu batismo, esteve durante 40 dias no deserto para ser tentado pelo diabo e assim igualar simbolicamente os 40 anos que Deus provou os israelitas no deserto (Deut. 8:2; Mat. 4:1).
 
A maioria dos eruditos do Novo Testamento reconhecem que Jesus se viu a si mesmo, em um sentido tipológico, como o novo Israel. Este tinha falhado, mas Jesus cumpriu o pacto de Deus em favor de Israel e da humanidade. Desta forma, a história de Israel alcança um cumprimento feliz em Cristo. Portanto, de decisiva importância para o correto entendimento da profecia de Israel e do livro do Apocalipse é a verdade do Novo Testamento de que Jesus Cristo incorpora Israel e dessa maneira leva a missão de Israel a um fim em sua própria vida.
 
O rechaço pela nação judaica dos sofrimentos, morte e ressurreição de Cristo não foram tragédias inesperadas que frustrassem o plano de salvação de Deus para a humanidade. Deus não depende dos judeus para o cumprimento de suas promessas. Depende do Messias. O profeta tinha assegurado: "A vontade do Senhor será em sua mão prosperada" (Isa. 53:10). Pedro disse que o que aconteceu com Jesus na cruz e em sua ressurreição, ocorreu "por conselho e antecipado conhecimento de Deus" (At. 2:23). Dois exemplos do livro de Salmos ilustram como Jesus soube o que tinha que esperar na providência de Deus.
 
Cristo percebeu nas experiências do rei Davi uma prefiguração de suas próprias provas e rechaço por parte de Israel. Jesus recorreu especificamente a Salmos 41:9 para revelar sua intuição de que a traição de Davi por seu amigo em quem confiava era um tipo dos sofrimentos do Messias, que era maior que Davi (ver João 13:18-27). No momento de sua agonia mais profunda na cruz, Cristo clamou a grande voz: "Meu Deus, Meu deus, por que me desamparaste?" (Mat. 27:46; Mar. 15:34). Estava citando Salmos 22:1, que Davi tinha clamado em seu próprio desespero enquanto estava rodeado por seus inimigos sedentos de sangue. Como o salmo é uma unidade que consiste de uma lamentação prolongada sobre o sofrimento intenso (vs. 1-21), Cristo viu na experiência do Davi um tipo de sua própria agonia. Muitos comentadores não consideram a lamentação histórica de Davi no Salmo 22 como uma profecia diretamente messiânica, não obstante, Cristo e os escritores do Novo Testamento aplicam muitos aspectos do Salmo 22 à cruz e à glória que seguiu.
Este modelo surpreendente de tipologia no livro de Salmos, que foi trazido à luz por Jesus Cristo, justifica que salmos como este se classifiquem como profecias messiânicas.
O propósito de tais entrevistas do Novo Testamento não é simplesmente para mostrar de que maneira se cumpriram com toda exatidão na vida de Jesus as predições messiânicas ocultas, mas sim para proclamar a Jesus como a meta da história de Israel e como a realização do pacto que Deus tinha feito com eles.
 
Os escritores dos Evangelhos declaram com frequência que os eventos do passado de Israel se "cumpriram" na vida de Cristo. Mateus cita o profeta Oseias, "do Egito chamei a meu filho" (Ouse. 11:1), o que recordava a Israel seu êxodo histórico do Egito. Mateus aplica estas palavras à fuga do José e Maria para o Egito até a morte de Herodes: "Para que se cumprisse o que disse o Senhor por meio do profeta, quando disse: Do Egito chamei o meu Filho" (Mat. 2:15). O aspecto da entrevista de Mateus é que a Escritura de Oseias se "cumpriu" no menino Jesus. Entretanto, as palavras de Oseias não foram uma profecia, a não ser um recordativo significativo da experiência histórica de Israel como "filho" de Deus (cf. Êxo. 4:22). Então, como pôde declarar Mateus que Oseias 11:1 se "cumpriu" em Jesus? Pela mesma razão fundamental com que justificou a interpretação messiânica das experiências do Davi (ver Sal. 41:9 e 22:1).
 
Como o Filho de Deus, Cristo não só representa o Israel ante Deus, mas também representa o destino de Israel em sua própria vida. Mateus ensina que o significado da história de Israel se revela completamente na vida de Jesus Cristo. Desta maneira, o Novo Testamento insinua com força que os acontecimentos na vida de Jesus – como seu nascimento em Belém, sua morte humilhante, sua ressurreição e exaltação à direita de Deus – não foram eventos imprevistos ou acidentais. Todos formaram parte do determinado conselho de Deus (ver At. 2:23; 4:28).
 
Hans K. LaRondelle

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