29 de setembro de 2010

DANIEL 4: A ÁRVORE EM PLENA MATURIDADE

“Eram assim as visões da minha cabeça, estando eu na minha cama: eu olhava, e eis uma árvore no meio da terra, e grande era a sua altura; crescia a árvore, e se fazia forte, de maneira que a sua altura chegava até o céu, e era vista até os confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e dela se mantinha toda a carne.”Daniel 4:10-12
Heródoto, mestre da história
A imagem da árvore não era estranha para Nabucodonosor. Ela fazia parte do seu universo simbólico. Assim, Heródoto regista o caso de Astyage (último rei dos Medas), o cunhado de Nabucodonosor, que ele também teve um sonho duma árvore simbolizando o seu domínio sobre uma parte do mundo (Heródo I, 108). Nabucodonosor ele mesmo, numa inscrição, compara Babilónia a uma grande árvore que sobre a sombra da qual os povos se refrescam (S. Langdom, Building inscriptions of the Neo-Babylonian Empire, 1905, nº 5 19: Wadi Brisa, B. Col VII 34.).
Nabucodonosor estava pois em condições de compreender a simbologia da árvore. Acrescente-se, o paralelo entre a árvore e a visão da estátua do capítulo 2 torna-se suficientemente explícito. Como Nabucodonosor no capítulo 2 versículo 38, a arvore oferece uma protecção universal descrita nos seguintes termos: “...e o seu fruto abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada”, abriga e alimenta (Daniel 4:12,21). Da mesma maneira que a cabeça da estátua (2:37), a proeminência da árvore é reconhecida até às extremidades de toda a terra (Dan. 4:11,12). A árvore está associada à cabeça da estátua e representa deste modo o rei Nabucodonosor.
Através desta imagem da árvore podemos ver o carácter orgulhoso de Nabucodonosor que é evidenciado. O texto compara Nabucodonosor a Adão na sua função de gerente do universo (Gén. 1:28), e a árvore da vida (ou do conhecimento do bem e do mal) no meio da terra (Gén. 2:9; 3:3). Esta árvore eleva-se até ao céu (vs. 11,20). A árvore do sonho do rei Nabucodonosor não é uma árvore vulgar ou normal. Todo o contexto está elaborado para realçar a sua superioridade.
De facto, por detrás desta exaltação ilimitada reconhece-se uma critica disfarçada. Porque esta comparação desproporcionada visa o orgulho de Nabucodonosor. o profeta Ezequiel utiliza a mesma metáfora para representar o orgulho da Assíria (Ezequiel 31:3-9). Este texto partilha o sentido comum de Daniel 4. Também em Ezequiel a árvore abriga as aves do céu e toda a espécie de animais do campo (Ez. 31:6); assim como a árvore está plantada no meio do jardim (v. 9) e é maior que todas as outras (vs. 2,5). Certamente, o texto de Daniel faz eco com esta passagem de Ezequiel. Ora o orgulho é aqui explicitamente mencionado em relação à altura da árvore.
“Portanto assim diz o Senhor Deus: Como se elevou na sua estatura, e se levantou a sua copa no meio dos espessos ramos, e o seu coração se ufanava da sua altura.” (Ezequiel 31:10)
Esta árvore que se eleva até ao céu, protectora e majestosa, constitui de facto um insulto claro a Deus.
É interessante de notar que a mesma imagem da árvore abrigando “as aves do céu”, é utilizada no Novo Testamento, para representar o Reino de Deus.
“É semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e lançou na sua horta; cresceu, e fez-se árvore, e em seus ramos se aninharam as aves do céu.” (Lucas 13:19).

23 de setembro de 2010

DANIEL 4: A QUEDA DA ÁRVORE


Construção de Inscrição II Nebuchadnezar King na Porta de Ishtar .
Um trecho abreviado diz: "Eu (Nabucodonosor), a fundação
dos portões até o nível do lençol freático e eles tinham
construído com pedra azul puro. Nas paredes do quarto
 da porta interior, são touros e dragões e, portanto,
eu magnificamente adornado com eles esplendor
luxuoso para toda a humanidade a contemplar com admiração. "

“És, tu, ó rei, que cresceste, e te fizeste forte; pois a tua grandeza cresceu, e chegou até o céu, e o teu domínio até a extremidade da terra.
E quanto ao que viu o rei, um vigia, um santo, que descia do céu, e que dizia: Cortai a árvore, e destruí-a; contudo deixai na terra o tronco com as suas raízes, numa cinta de ferro e de bronze, no meio da tenra relva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e seja a sua porção com os animais do campo, até que passem sobre ele sete tempos.” Daniel 4:22,23.

Ironicamente, como no relato da antiga Torre de Babel (Gén. 11:4,5), a árvore, eleva-se “até ao céu” (Dan. 4:22), isto supõe uma queda (descida) do alto (v. 23). A primeira cena não passava de qualquer coisa de carácter visual, estático: uma arvore magnifica. A segunda cena é ao mesmo tempo audível e dinâmica: o rei vê os movimentos de seres celestes e ouve as suas vozes de comando. Assim a primeira cena estava impregnada de paz e de majestade, enquanto a segunda é tumultuosa e inquietante. Da calma da descrição passa a agressão violenta e nervosa.
Nisto se percebe que os actores desta segunda visão são mais expressivos e há uma mudança de ritmo: “um vigia” (ver v. 13,23). É o único texto na Bíblia a referir este personagem. Aqui o sonho toma uma linguagem que fala ao rei, e o coloca nas suas tradições ancestrais. Segunda uma antiga crença confirmada nos comentários zoastros da Zend-Avesa, o grande deus tinha colocado quatro vigias nos quatro cantos do céu para manter uma constante vigia sobre os astros (Notes on de Book of Daniel, New York, 1881, p. 213, A. Barnes).
Para Nabucodonosor a presença destes seres celestes significava que o seu destino era determinado pelo Deus do alto. Mas no sonho e na sua explicação, estes vigias são claramente identificados segundo a tradição bíblica. O texto emprega o termo “santos”, um termo que caracteriza os anjos em muitas passagens bíblicas (Job 5:1; 15:15; Salmo 89:6,8; Zacarias 14:5). A Bíblia dos Setenta situa-se no contexto desta interpretação, ela traduz a palavra “vigia” por “anjo”.
O “vigia”, anjo do céu, anuncia o destino da árvore em duas passagens.
A primeira fase contém várias ordens que indicam a queda da árvore (Dan. 4:14,23). Caída por terra, a árvore desaparece à vista dos homens; despojada dos seus ramos, das suas folhas e dos seus frutos, ela perde a sua função de protectora e de fonte de nutrição universal (vv. 14,21). O oráculo significa que Nabucodonosor será expulso “de entre os homens” (v. 25).
A segunda fase não contém mais que uma única ordem que se relaciona com o estado da árvore depois da sua queda (v. 14). A árvore cai e estéril fica com as raízes fixas à terra, mas impedida de crescer e desenvolver-se. O emprego das cadeias de ferro e de bronze, metais reputados pela sua solidez (2ª Crónicas 24:12), garantem que se mantenha nesse estado. O que permanece da árvore é a condenação de ficar presa ao solo, ou como sublinha o verbo aqui utilizado, “presa” (asar) num estado “vegetativo” ou como dá a entender o texto; animal. De facto, tudo é animal nela. Ela reside “entre os animais do campo” (4:25), dorme com os animais, o seu corpo age como animal. Vejamos todo o texto: “serás expulso do meio dos homens, e a tua morada será com os animais do campo, e te farão comer erva como os bois, e serás molhado do orvalho do céu, e passar-se-ão sete tempos por cima de ti; até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer.” Daniel 4:25, salientamos a seguinte sentença: “e ter farão comer erva como os bois, e serás molhado do orvalho do céu”, e pensa mesmo como os animais: “Seja mudada a sua mente, para que não seja mais a de homem, e lhe seja dada mente de animal; e passem sobre ele sete tempos.” (Daniel 4:16). Na antropologia bíblica, o coração é a sede do pensamento e da razão. Dizer que o coração do homem é substituído por um coração de animal, quer fazer compreender que este homem não poderá mais pensar nem raciocinar.
Este “transplante” de coração de homem por um coração de animal é para Daniel a explicação desta estranha metamorfose. Se Nabucodonosor, é representado pela linhagem animal, comporta-se como animal, é tão simplesmente por ele recebeu um coração de animal. Esta espécie de transplante cardíaco foi interpretada por Daniel sob o plano religioso. Nabucodonosor deixará de ter comportamento animal desde que reconheça que o “Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens” (Daniel 4:25). Por outras palavras, o estado animalesco do rei corresponde à sua inconsciência religiosa. Durante um certo tempo Nabucodonosor não terá o sentido de Deus.
Do ponto de vista bíblico, o rei não pode descer mais baixo: ele ficará limitado a um estado animal e disso nada o poderá livrar. A sentença de Deus soa como um “decreto” do Alto (v. 24) com tudo o que a palavra implica de definitivo e absoluto. Até o tempo desta doença foi fixado por Deus: “sete tempos” (v. 25). O número sagrado sublinha de forma clara o carácter determinante do decreto divino.
Apesar deste fim trágico e desesperado, o decreto de Deus deixa perceber uma nota de esperança. Em primeiro lugar a queda da árvore não é vista no sonho. Nabucodonosor ouve a ordem, mas não se encontra ainda no estado da execução da mesma. A árvore que representa Nabucodonosor ainda está de pé e em floração. Ainda é tempo para Nabucodonosor de parar o que está anunciado. Daniel aproveita esta ocasião para fazer apelar ao rei a humilhar-se e arrepender-se do seu orgulho: “Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniquidades, usando de misericórdia com os pobres, se, porventura, se prolongar a tua tranquilidade.” Daniel 4:27. Por duas vezes Daniel sublinha que assim que Nabucodonosor reconheça Deus como o Senhor sobre todas as coisas e como tendo domínio sobre o próprio rei, ele será salvo (v. 26): a via a seguir é deste modo claramente de carácter religioso e de relacionamento com o próprio Deus. Mas a intervenção de Daniel situa-se também sobre o plano ético e relaciona-se com a atitude com o próximo. Nabucodonosor é pois, exortado a praticar a justiça e a compaixão (v. 27). O arrependimento implica uma relação de dimensão vertical e horizontal. Nabucodonosor só poderá respeitar o infeliz e praticar a justiça (tsedaqa) na medida em que ele reconheça o Senhor como Deus acima de tudo e de todos. Porque a consciência que existe Alguém sobre si-próprio é a base do respeito do próximo. Amar Deus, é amar o próximo. Eis porque matar o próximo é matar a imagem de Deus (Génesis 9:6), ignorar Deus leva ao desprezo dos homens. A religião prepara para uma ética ou seja, ética autêntica da religião. Parece que Daniel ainda acredita que Nabucodonosor possa compreender este dois níveis e arrepender-se, ele deixa perceber nestas palavras: “usando de misericórdia... e se prolongará a tua tranquilidade” ou “felicidade”.
Desta forma, o determinismo do decreto parece estar nas mãos e à responsabilidade do rei. O seu destino está na sua decisão. Nabucodonosor ainda é livre. Por outro lado, o profeta deixa entender que a felicidade que segue ao arrependimento não é automática. A última frase introduz a conjunção hen que contém a ideia de um “talvez”. Mesmo se o rei se arrepende, a bênção de Deus não é segura. Deus também é livre. Não se deve crer que necessariamente o arrependimento traz incondicionalmente a felicidade, antes e especialmente o importante é compreender a gravidade do pecado. Ou seja, o arrependimento não seria sincero e não seria um acto livre se fosse só pela felicidade, ou em função desta. Nestas condições o arrependimento seria um acto interesseiro, determinado pela recompensa. Para ser livre e consequentemente autentico, o arrependimento deve ser gratuito.
Também não se pode obrigar Deus a ser obrigado de abençoar e recompensar o justo. De outro modo, Deus seria reduzido a uma máquina que distribui bênçãos bastando que se apoie sobre um botão. Deus é livre, e as Suas bênçãos devem ser recebidas como uma graça que resultam independentemente das nossas acções.
Esta dimensão lança neste contexto pesado de determinismo um raio de esperança: tudo é possível.
Mais ainda se o arrependimento não se produzir o efeito redutor, mesmo se o decreto se cumpre e que a árvore é abatida, ainda há uma saída. A segunda fase do oráculo sugere que a vida da árvore será poupada. A árvore não será arrancada. O tronco, o principio (îqar) das raízes é conservado. A vida da árvore retomará. Este facto do tempo de prova estar fixado (sete tempos) é portador de esperança. A prova tem um fim. Se a predição do sofrimento se cumpre, o seu fim também está assegurado. Paradoxalmente, no coração das trevas inscreve-se um sinal de esperança.

16 de setembro de 2010

O ORGULHO DO REI NABUCODONOSOR


Moeda com a face de Nabucodonossor.

DANIEL 4:
19 Então Daniel, cujo nome era Beltessazar, esteve atónito por algum tempo, e os seus pensamentos o perturbaram. Falou, pois, o rei e disse: Beltessazar, não te espante o sonho, nem a sua interpretação. Respondeu Beltessazar, e disse: Senhor meu, seja o sonho para os que te odeiam, e a sua interpretação para os teus inimigos:
20 A árvore que viste, que cresceu, e se fez forte, cuja altura chegava até o céu, e que era vista por toda a terra;
21 cujas folhas eram formosas, e o seu fruto abundante, e em que para todos havia sustento, debaixo da qual os animais do campo achavam sombra, e em cujos ramos habitavam as aves do céu;
22 és ,tu, ó rei, que cresceste, e te fizeste forte; pois a tua grandeza cresceu, e chegou até o céu, e o teu domínio até a extremidade da terra.
23 E quanto ao que viu o rei, um vigia, um santo, que descia do céu, e que dizia: Cortai a árvore, e destruí-a; contudo deixai na terra o tronco com as suas raízes, numa cinta de ferro e de bronze, no meio da tenra relva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e seja a sua porção com os animais do campo, até que passem sobre ele sete tempos;
24 esta é a interpretação, ó rei é o decreto do Altíssimo, que é vindo sobre o rei, meu senhor:
25 serás expulso do meio dos homens, e a tua morada será com os animais do campo, e te farão comer erva como os bois, e serás molhado do orvalho do céu, e passar-se-ão sete tempos por cima de ti; até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer.
26 E quanto ao que foi dito, que deixassem o tronco com as raízes da árvore, o teu reino voltará para ti, depois que tiveres conhecido que o céu reina.
27 Portanto, ó rei, aceita o meu conselho, e põe fim aos teus pecados, praticando a justiça, e às tuas iniquidades, usando de misericórdia com os pobres, se, porventura, se prolongar a tua tranquilidade.
Na continuidade da explicação do sonho e do seu cumprimento:
DANIEL 4:
28 Tudo isso veio sobre o rei Nabucodonozor.
29 Ao cabo de doze meses, quando passeava sobre o palácio real de Babilónia,
30 falou o rei, e disse: Não é esta a grande Babilónia que eu edifiquei para a morada real, pela força do meu poder, e para a glória da minha majestade?
31 Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonozor: Passou de ti o reino.
32 E serás expulso do meio dos homens, e a tua morada será com os animais do campo; far-te-ão comer erva como os bois, e passar-se-ão sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer.
33 Na mesma hora a palavra se cumpriu sobre Nabucodonozor, e foi expulso do meio dos homens, e comia erva como os bois, e o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceu o cabelo como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves.
Sonho narrado por Daniel, que começou a falar no v.19. nos dois casos o rei não abriu a boca. No primeiro caso, porque a explicação é dada por alguém que não é o próprio rei; no segundo caso, porque já não se encontra em condições de falar. O silêncio faz parte do cumprimento da profecia. O texto está escrito na terceira pessoa do singular, o que implica o estado patológico do rei e o leva a este mutismo, realçando por esse facto a realidade objectiva do acontecimento. Não é Nabucodonosor que fala mas uma testemunha.
O cumprimento é colocado no tempo e no espaço como para sublinhar o carácter histórico. Por outro lado, situa-se no mesmo tempo e no mesmo espaço do próprio sonho, um ano depois, o que quer dizer no aniversário do sonho, e no espaço, ou seja, no palácio real. Esta concordância é uma maneira de lembrar o sonho de então e de sublinhar o seu cumprimento sem agravo.
A Porta de Ishtar no Museu Pergamon
Como sempre o rei mantém a serenidade, uma felicidade inconsciente. Ele passeia-se e desfruta da paisagem que rodeia o seu palácio (vv.29,39). Mas desta vez os sentimentos do rei são expressados. Ele fala, e o seu orgulho desmesurado é traído pela forma como se exprime (ver Daniel 4:30).
Esta declaração do rei não é uma simples gabarolice, uma mera jactância. Nabucodonosor distinguiu-se na história como o maior construtor de Babilónia. Nisto ele difere dos seus predecessores que se dedicaram mais às conquistas a habitar uma cidade, eles só vinham a Babilónia por altura das festas e celebrações do novo ano. Para Nabucodonosor, Babilónia era a única cidade digna dele, de ser a cidade real, “a cidade do seu orgulho” (Records of the Past, New Series, Londres, 1888-92, S. Birch ed., p.71). E por este facto, Babilónia devia-lhe as mais sumptuosas maravilhas que já foram colocadas numa cidade na Terra.
Tendo cinco quilómetros quadrados, com os seus palácios, os seus jardins suspensos e os seus cinquenta templos, Babilónia era classificada como uma das sete maravilhas do mundo e uma das maiores cidades da época.
Segundo um testemunho de um sacerdote babilónico de Bérose e das antigas inscrições cuneiformes, foi especialmente Nabucodonosor que foi o arquitecto desta cidade. Além dos numerosos templos e das muralhas exteriores, o rei mandou construir o seu próprio palácio que era na sua opinião “digno da majestade do rei” (A. Champdor, Babylone e Mésopomie, Paris, 1953, pp. 120 ss.). Os jardins suspensos eram igualmente obra do rei e tinham como objectivo de lembrar a sua esposa Amytitis as árvores e as flores da sua Média natal. A beleza grandiosa destes lugares impressionava os estrangeiros e particularmente os poetas. Entre as mais antigas lendas era lembrada a maravilhosa história de Sémiramis, fundadora de Babilónia, esta rainha Assíria de quem se dizia os amores e a glória inspiraram uma das tragédias de Voltaire e uma ópera a Rossini.
É sem duvida o orgulho que leva Nabucodonosor a uma tal consecução. É ainda o orgulho que o fazia vibrar ao contemplar a sua obra. Não só a Bíblia, mas a maior parte das inscrições cuneiformes, mais de cinquenta, assinadas por Nabucodonosor testemunham a sua mentalidade excêntrica. A propósito do palácio escreve ele:
”Eu construi o palácio, sede da minha realeza
Construído por povos fortes
Lugar de alegria e prazeres (...)
Eu reconstrui Babilónia,
Sobre um abismo antigo (...)
Com argamassa e tijolos
Eu coloquei as suas fundações.”
(Cilindro de Grotefend, KB III, 2, p.39)

Ou ainda e a propósito da cidade de Babilónia:
“Eu fiz Babilónia a santa cidade.
A glória dos grandes deuses, acima de tudo o que tinha sido feito até então.
Nenhum rei (...) ninguém criou, nenhum rei entre todos os outros reis, ninguém construiu uma tal magnificência para Marduque (...)
Que o meu nome seja proclamado para sempre.”
(Tablete, Museu de Berlim)

De facto o orgulho do rei foi predito pelo profeta. Assim o sonho dado ao rei sob a forma de uma arvore que se eleva para o céu, e que pretende a divindade.
De uma maneira significativa o texto de Daniel lembra de novo o relato da torre de Babel. Como os antigos construtores, Nabucodonosor construiu para a sua própria glória e para perpetuar o seu nome; como eles, ele eleva-se na direcção do céu (para fugir do Céu), ver (Génesis 11:4). Como eles enfim, a sua palavra orgulhosa é interrompida por uma voz que desce do Céu (Génesis 11:7). Como foi com eles, ele é expulso, e a sua palavra perde-se na confusão do mugido (Génesis 11:8).

8 de setembro de 2010

DANIEL 4: A LOUCURA DO REI NABUCODONOSOR

“Ao cabo de doze meses, quando passeava sobre o palácio real de Babilônia,
falou o rei, e disse: Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a morada real, pela força do meu poder, e para a glória da minha majestade?
Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonozor: Passou de ti o reino.
E serás expulso do meio dos homens, e a tua morada será com os animais do campo; far-te-ão comer erva como os bois, e passar-se-ão sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer.
Na mesma hora a palavra se cumpriu sobre Nabucodonozor, e foi expulso do meio dos homens, e comia erva como os bois, e o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceu o cabelo como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves.” Daniel 4:29-33

Os sintomas – A doença com que o rei foi acometido em plena crise do seu orgulho, apresenta-se com raros sintomas. O rei comporta-se como um animal. Come, dorme e age como um boi. Paradoxalmente é o orgulho de Nabucodonosor que é a causa da sua degenerescência. Porque ele quis elevar-se acima de todos os homens, Nabucodonosor torna-se inferior a todos os seres humanos. A história está carregada de significados. Ela deveria fazer reflectir a todos os candidatos à grandeza, e todos aqueles que se embalam na ilusão da sua superioridade. O que os espera depois da colina, é a descida precipitada até ultrapassarem o pondo de partida.
A aventura de Nabucodonosor reproduz-se frequentemente a níveis diferentes. Um dos casos mais conhecidos é a fábula de La Fontaine, “A rã que quer fazer-se passar por um boi” e engorda até rebentar. Mas a história confirma casos parecidos com a experiência de Nabucodonosor.
Os psiquiatras conhecem este tipo de doença que diagnosticaram como uma condição paranóica de carácter esquizofrénico. O psiquiatra Zilboorg relata numerosos casos deste comportamento entre o século III século e o século XVII (M. Benezech, Annales médico-psychologiques, vol. 147, nº 4, 1989, p.468.)
Muito rara e muito estranha esta doença, não deixa de ser conhecida mundialmente. Nos nossos dias, ela praticamente desapareceu nos países industrializados onde ela recebe um tratamento adequado e eficaz, são no entanto, encontrados casos na China, Índia, África e América do Sul. Recentemente foi registada alguns casos em hospitais de Paris e Bordéus (J.P. Boulhaut, Lycantropie et pathologie mentale, Thèse, Université de Bordeuaux II, 1988.).
Os sintomas são sempre os mesmos. O doente imagina ver e ser um lobo (licantropia), ou um boanthropie), ou um outro animal (cão, leopardo, leão, serpente, crocodilo) e comporta-se como tal até nas situações mais íntimas. A ilusão do doente é tão poderosa que afecta a sua psicologia. Os psiquiatras têm relatado um caso recente de uma mulher de quarenta e nove anos que se comportava já de forma crónica como um lobo. Quando se olhava ao espelho, afirmava ver “a cabeça de um lobo no lugar do seu próprio rosto, arrotava e grunhia como um lobo, gemia e rugia como um animal.” (H.A. Rosentock, “A case of Lycanthropy”, in American Journal of Psychiatry, 1977, vol. 134, nº 10, p.1148.).
A crer no testemunho dos historiadores de psiquiatria, esta doença estranha sempre existiu e pode ainda ser observada nos nossos dias. No que concerne a Nabucodonosor, era que as crónicas oficias não transbordassem os muros do palácio. De qualquer modo o texto de Daniel foi corroborado por um certo números de fontes extra-bíblicas.
Três séculos depois da morte de Nabucodonosor, o sacerdote de Babilónia Bérose conta que no final de 43 anos de reinado “Nabucodonosor ficou doente enquanto estava ocupado na construção de um muro (...) depois morreu.” (Flábio Josefo, Contra Apion I, 20). Esta associação da doença do rei e da construção lembra a narração bíblico. Por outro lado, esta menção da doença antes da morte deixa perceber que se tratou de uma doença invulgar; de outro modo não seria referenciada, porque é normal que a morte seja precedida pela doença.
Por fim, uma descoberta recente de um texto em cuneiforme veio confirmar o relato bíblico. Em 1975, o arqueólogo A.K. Grayson descobriu na Assíria um texto em cuneiforme que se encontra no Museu Britânico (BM 34113=sp213), este faz alusão às perturbações mentais de Nabucodonosor. É aí relatado que durante um certo período de tempo a “sua vida lhe pareceu sem valor” ...”ele dava ordens contraditórias e confusas” ...e perdeu a capacidade de manifestar afeição por seu filho e filha, nem sequer reconhecia os que o rodeavam ou de dirigir.” (A.K. Grayson, Babylonian Hitorical-Literary texts, Toronto/Buffalo, 1975, pp. 87-92.
A considerar o testemunho da história e os diagnósticos em psiquiatria, o texto de Daniel é pois incontestável.
O tempo – segundo o texto bíblico Nabucodonosor permaneceu “sete tempos” neste estado. Esta precisão ao fixar o período dá a entender que é intenção do autor sublinhar o carácter histórico deste acontecimento. A doença do rei não tem só um carácter simbólico, ela existiu no tempo. O texto situa o acontecimento na história, porque está directamente associado com o término da construção de Babilónia. A linguagem do profeta é certamente profética, porque utiliza a retórica do oráculo, mas não invoca um tempo real. A palavra aramaica îdan traduzido pelo termo vago “tempo” deve ser de facto compreendido no sentido de “anos” como o indica um grande número de elementos:
1. De uma forma significativa a doença do rei começa no tempo do rei, precisamente “ao cabo de doze meses”, como para sugerir desde o começo que o “ano” constitui a unidade de base a partir da qual os tempos proféticos de Nabucodonosor devem ser calculados.
2. A relação entre estes dois períodos (doze anos e sete tempos) é colocada em evidência numa linguagem de estilo. As duas frases “doze anos” e “sete tempos” fazem eco mutuo: empregam igualmente o termo “ao fim de” (liqtsath), verso 29 (cf.34).
3. A etimologia da palavra îdan (tempo) aparentado com a palavra od (repetir, retornar, refazer) deixa perceber uma repetição do mesmo tempo, ou seja a mesma estação (2:21), o que implica por consequência um novo ano.
4. A mesma palavra îdan é empregue em Daniel 7:25 no sentido de ano, como o indica explicitamente a passagem paralela de Apocalipse 12:14.
Nabucodonosor experimenta esta prova durante sete anos. Se a palavra “tempo” é aqui preferida à palavra mais explicita “anos”, é para chamar a atenção sobre o ritmo de sete e sugerir neste contexto sagrado quando Deus age. O tempo do fim da prova é “marcado” (v. 34). Deus controla esta história e ninguém pode fazer nada contra.

2 de setembro de 2010

DANIEL 4: A ORAÇÃO DE NABUCODONOSOR

“Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonozor, levantei ao céu os meus olhos, e voltou a mim o meu entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre; porque o seu domínio é um domínio sempiterno, e o seu reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? No mesmo tempo voltou a mim o meu entendimento; e para a glória do meu reino voltou a mim a minha majestade e o meu resplendor. Buscaram-me os meus conselheiros e os meus grandes; e fui restabelecido no meu reino, e foi-me acrescentada excelente grandeza. Agora, pois, eu, Nabucodonozor, louvo, e exalço, e glorifico ao Rei do céu; porque todas as suas obras são retas, e os seus caminhos justos, e ele pode humilhar aos que andam na soberba. (Dan. 4:34-37).
O texto deixa entender a responsabilidade do rei no que diz respeito ao libertação que é alvo: “levantei aos céus os meus olhos, e voltou a mim o meu entendimento,” (v.34). Não importa quão profunda seja o seu estado, o doente portador de licantropia conserva sempre um certo estado de consciência e tem mesmo momentos de clara lucidez. Independentemente da gravidade da doença, o homem conserva as faculdades humanas, com um potencial de liberdade e de responsabilidade. Os grandes psiquiatras têm disto conhecimento e recusam etiquetar os seus pacientes de “loucos”, preferem considerá-los como simples doentes exigindo tratamento e mantendo uma expectativa de cura.
pedra com o nome de Nabucodonosor
É uma das lições do nosso texto bíblico; vemos um certo determinismo, neutralizado pela liberdade do homem. Mesmo preso num corpo e comportamento que poderíamos classificar “animal”, o homem pode sempre reencontrar-se. Basta para tanto tal como Nabucodonosor “levantar os olhos para o céu”. Nabucodonosor torna-se animal quando ele se toma por deus. Nabucodonosor torna-se homem quando ele realiza a sua miséria e que olha o seu estado. O paradoxo é evidente, tanto no plano psicológico da felicidade e do equilíbrio mental como no plano teológico da salvação.
Estela de Nabucodonosor Iº
Ninguém por si mesmo pode desenvolver-se para além da medida em reconhece os seus limites. Pense ele que é uma ave e que se lance pela janela acabará estendido no chão. Para poder voar, o homem deve aprender a lei da gravidade e compreender que esta o limita. A liberdade e a felicidade têm este preço. Mas para além da simples lição moral, a cura de Nabucodonosor ensina-nos uma lição no que concerne a salvação espiritual. Só quando o homem sai de si mesmo fica em condições de apreciar o lato sentido da salvação. Mais que uma atitude psicológica, a salvação é uma questão religiosa; é o reconhecimento que a salvação é um acto de Deus. Para ser salvo, é necessário levantar os olhos para o céu. Nabucodonosor descobre esta verdade no mais profundo da sua alma. A sua razão transforma-se em fé. O nosso texto bíblico em apreciação situa-se na linha tradicional do pensamento bíblico: “Diz o néscio no seu coração: Não há Deus. Corromperam-se e cometeram abominável iniqüidade; não há quem faça o bem.” (Sal. 53:1; cf. sal. 14:1). A ilusão, é crer que é uma ilusão crer. Para Daniel, a fé e a razão não são incompatíveis. Pelo contrário, a fé releva da razão; pode mesmo dizer-se que a fé é um sinal da razão.
A experiência de Nabucodonosor contém igualmente uma lição de ordem cósmica. Através da cura do rei percebe-se o milagre da ressurreição. Até as palavras que ele profere evocam esta realidade: “Tu, porém, vai-te, até que chegue o fim; pois descansarás, e estarás no teu quinhão ao fim dos dias.” (Dan. 12:13). A cura de Nabucodonosor anuncia também a ressurreição “ao fim dos dias”. Nabucodonosor desperto do seu estado de inconsciência e de novo pode falar. Até esta altura o rei era evocado na terceira pessoa do singular. Desde que Nabucodonosor retoma o uso dos seus sentidos, ele utiliza de novo a primeira pessoa e as suas palavras explodem em oração. Esta é a quarta oração do livro de Daniel.
Ao lermos as suas palavras temos a clara impressão que os seus olhos vão alternadamente do céu para a terra, e da terra para o céu. Este vai e vem entre o céu e a terra dão à oração de Nabucodonosor uma estrutura particular.
No texto também é descrito os três movimentos da alma humana: “eu bendisse” (...) “louvei” (...) e “glorifiquei”, o que corresponde aos três atributos de Deus: Ele vive eternamente, Ele domina eternamente, Ele reina eternamente (v. 34). A eternidade de Deus é repetida três vezes. Tudo aqui começa, na intensidade do reconhecimento da eternidade de Deus – da Sua existência, do Seu domínio e do Seu reino.
O ressuscitado passa da morte para a vida; e esta brusca prolongação do nada para a existência inunda Nabucodonosor do sentimento da eternidade de Deus. a sua oração é a da mais intensa adoração, centrada exclusivamente em Deus. Nabucodonosor exprime o seu reconhecimento (ele bendiz Deus), no seu êxtase (ele louva Deus) e na sua admiração (ele glorifica Deus). Mal desperta, Nabucodonosor só tem um olhar e este é para Deus. Não hesita em reconhecer que Lhe deve tudo e que não é ninguém sem Ele.
Desta maneira, a salvação só é possível pelo milagre da criação. Nabucodonosor faz claramente alusão à criação ao associar a expressão clássica “o céu e a terra” com o “fazer” e “mão de Deus” (v.35). Na mão de Deus, estão os exércitos do céu como os habitantes da terra: “todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão,”. Esta forma de se expressar é típica da Bíblia para traduzir a ideia da criação.
“Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou dirá a tua obra: Não tens mãos?” (Is. 45:9).

“Ele é sábio de coração e poderoso em forças... Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor; o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem; o que dá ordens ao sol, e ele não nasce; o que sela as estrelas; o que sozinho estende os céus, e anda sobre as ondas do mar; o que fez a ursa, o Oriom, e as Plêiades, e as recâmaras do sul; o que faz coisas grandes e insondáveis, e maravilhas que não se podem contar. Eis que ele passa junto a mim, e, não o vejo; sim, vai passando adiante, mas não o percebo. Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?” (Job 9:4-12).

A experiência de Nabucodonosor aparenta-se ao milagre da criação. Ele tinha tudo perdido até a sua própria identidade, e eis que tudo lhe é “retornado”. A palavra tub “regressar”, “vir outra vez”, é repetida três vezes no texto – uma vezz no v.34 e duas vezes no v.36, como para sublinhar o carácter da restauração operada. Nabucodonosor não só recuperou o que tinha mas também a sua identidade; ele sai desta experiência mais forte que era antes. Este despertar (ressurreição) da morte, é como sair da poeira infinitamente mais rico e mais glorioso que o era antes (ver 1ª Cor. 15:35-50).
A glória com que Nabucodonosor é revestido não o embriaga. O rei permanece plenamente consciente que nada é definitivamente adquirido. Ele ainda pode cair, mas ele perdeu a sua insolente segurança. Agora compromete-se na via da humildade e do arrependimento, o monarca, enfim, convertido.

1 de setembro de 2010

ESTRUTURA DO CAPÍTULO 4 DE DANIEL

No intuito de facilitar o percurso que vamos seguir (tendo em conta que se trata de um Blogue e os temas que estamos a postar são do fim para o começo, deixamos a seguinte estrutura:
1. Nabucodonosor louva o Deus do Céu (vv. 1-3)

2. A exposição do sonho (vv. 4-18)

3. A explicação do sonho (vv.19-27)
* A árvore que chega até ao céu.
* A loucura do rei.

4. O cumprimento do sonho (vv. 28-33)
* O orgulho do rei.
* A loucura do rei.

5. Oraçao de Nabucodonosor (vv. 34-37)