19 de julho de 2010

OS JUDEUS NA FORNALHA: O MILAGRE - 3

O milagre não se produz graças a poderes técnicos ou mágicos da parte dos homens, mas pela a ação de Deus. Estamos fora de toda a feitiçaria, qualquer farsa da magia ou do ilusionismo. Há um quarto personagem, um quarto, para que o milagre seja possível. É do exterior que a salvação vem, e não deles mesmos. É a primeira lição a retirar da presença de Deus: homem, por muito justo que seja, não pode se salvar a ele mesmo. A salvação do homem torna necessária a intervenção de Deus que não fica acantonado no céu, indiferente. Ele ama, Deus desloca-se e vem ao encontro deste três servos fiéis. Para salvar do fogo, Ele próprio deve passar pelo fogo. O Deus de amor torna-se companheiro do homem perdido, “vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo.” (Dan. 3:25). Mas aqui não para a obra de Deus. deus salva. Os três hebreus saem da fornalha ardente (v.26).
Imediatamente, a multidão junta-se à volta deles. Todos lhes querem tocar, todos querem provas. “E os sátrapas, os prefeitos, os governadores, e os conselheiros do rei, estando reunidos, viram que o fogo não tinha tido poder algum sobre os corpos destes homens, nem foram chamuscados os cabelos da sua cabeça, nem sofreram mudança os seus mantos, nem sobre eles tinha passado o cheiro de fogo.” (Dan. 3:27). Da cabeça aos pés, eles estão perfeitamente indemnes. O Deus dos hebreus não só veio para lhes trazer algum conforto, ou assegurar-lhes da Sua simpatia. Ele também os salva do fogo.
O Deus da Bíblia é antes de tudo o Deus que salva, e não o Deus da experiencia mística, sentimental, ou mesmo intelectual. A religião não se limita a impressões ou a opiniões. dos sátrapas aos conselheiros do rei, todos compreendem que o Deus dos hebreus é o Deus que não só desce e se aproxima do homem, mas ainda é o único Deus que tem poder sobre a morte. Deus define-se como o Deus Criador. A relação é feita de forma directa pelo profeta Isaías:
“1 Mas agora, assim diz o Senhor que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu.
2 Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti.” (Isaías 43)
Só o Criador pode salvar do fogo, só o Criador pode transformar a morte em vida. Os três hebreus estão estupefactos, eles não dizem uma única palavra. Estão surpreendidos. Mas ao mesmo tempo o silêncio deles faz que as ultimas palavras que eles dirigiram ao rei retorne como um eco: “Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei: Ó Nabucodonozor, não necessitamos de te responder sobre este negócio.” (Dan. 3:16). A resposta já tinha sido dada, de forma concreta, física, viva, diante do rei. Eles não tem mais necessidade de falar, o fato de estar ali de pé testemunha do seu Deus e da sua fé, constitui por si só argumento por excelência. Seria de esperar nesta ocasião a um grande discurso da parte dos hebreus; ocasião de vitória era oportuna para dar a Nabucodonosor e a todos os chefes caldeus um forte sermão, eles mereciam-no. Ora não há discurso. Os três hebreus estão em silêncio.
Que lição para os amadores do testemunho sempre prontos a falar, a pregar e a envaidecerem-se do que Deus fez por eles! O exemplo dos judeus lembra que a presença silenciosa fala por vezes mais alto que o mais belo discurso. Porque a experiência autêntica vive-se sem palavras. Verdadeiramente salvos, eles não têm mais nada para dizer – a sua presença fora da fornalha o confirma. Em matéria de salvação e de verdade, quando o essencial está em causa, falar de mais pode tornar-se suspeito. O ruído e a multiplicação de palavras podem trair o poder que Deus manifestou e até levar a alguma suspeita dos ouvintes. É como se quiséssemos convencer de uma verdade que ainda não foi compreendida, como se quiséssemos encher a angústia com o vazio, tal como o fazem hoje em dia os profissionais da palavra. Pratica-se o bem falar e agrada muito falar, porque há pouco a dizer. A presença de Deus faz-se sentir no silêncio!

14 de julho de 2010

OS TRÊS JUDEUS NA FORNALHA - 2

Como vínhamos dizendo Nabucodonosor dá-lhes a possibilidade de se defenderem, ele argumenta, ameaça. Mas não faz mais que isso. O texto bíblico diz-nos que os hebreus recusam em responder. “Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei: Ó Nabucodonozor, não necessitamos de te responder sobre este negócio.” (Dan. 3:16). O termo em aramaico para “responder” significa igualmente “defender-se”. Os hebreus opõem à agressão do rei uma atitude de não-violência que deixa o rei atordoado ou espantado e totalmente sem resposta. A religião de Babel assente sobre o presente e consequentemente legalista, formalista e violenta, os hebreus opõem uma religião assente sobre o futuro e consequentemente livre, desinteressada e não-violenta.
De repente, Nabucodonosor perde o controle de si mesmo. O texto diz que “Então Nabucodonozor se encheu de raiva, e se lhe mudou o aspecto do semblante contra Sadraque, Mesaque e Abednego; e deu ordem para que a fornalha se aquecesse sete vezes mais do que se costumava aquecer.” (Dan. 3:19). Face à tranquilidade e confiança dos hebreus, o rei reage pela cólera e a violência. Ele ordena que aumentem de intensidade o calor na fornalha “sete vezes mais” (v. 19), a expressão idiomática indica que a temperatura foi elevada ao máximo (cf. Prov. 24:16; 26:16) – como se o normal não fosse o suficiente para os queimar. Os hebreus são lançados tal como estavam com os seus vestidos, antes de terem o tempo de mudar de opinião ou de se preparar psicologicamente.
Toda esta precipitação, vai custar a vida dos seus carrascos (v. 22), mostra a que ponto o rei está fora de si, mas evidencia também o sinal do seu desespero e da sua angustia. Qualquer coisa lhe escapa e Nabucodonosor está com medo. Ele é o primeiro a reparar no inacreditável e o primeiro a reagir. Olhando para dentro do forno onde caíram três homens “...estes três, Sadraque, Mesaque e Abednego, caíram atados dentro da fornalha de fogo ardente.” (v. 23) “atado dentro da fornalha de fogo ardente”; Nabucodonosor vê “...quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nenhum dano sofrem; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses.” (v. 25). Não só os três hebreus estão ilesos e livres – eles “e nenhum dano sofrem” – mas eles andam no meio do fogo. Com humor, o texto descreve os três hebreus descontraídos e a passear na fornalha; e os seus passos são seguidos pelos funcionários temerosos perante este milagre do único Deus que é indiferente ao poder dos homens.
Um quarto personagem se junta aos três homens dentro da fornalha. Nabucodonosor começa a relacionar que o milagre que presenciou dentro da fornalha terá algo a ver com este personagem estranho e desconhecido. Intrigado, espera durante alguns momentos para observar a aparência do “quarto homem” que “é semelhante a um filho dos deuses” (v. 25). Nabucodonosor conclui que este personagem só pode ser de natureza divina. A expressão que ele utiliza, “filho dos deuses”, para o designar revela bem o que ele pensa. Nas línguas semitas o termo “filho”, em relação com uma palavra torna o termo de natureza idiomática no sentido de dar qualidade ou superioridade. Assim “filho de vinte anos” significa com a idade de vinte anos (Êxodo 30:14); “filho do homem” significa a natureza humana (Jeremias 49:18); “filho de boi” significa que é de natureza bovina (Números 15:8); “filho da morte” significa de natureza mortal (1ª Samuel 2:31), etc. De forma significativa a Septuaginta traduz este texto (Dan. 3:25) por “anjo de Deus”, expressão que voltamos a encontrar no verso 26. ora o anjo de Deus tem na Bíblia hebraica (A.T.) como o mandatário de Deus e como alguém que é identificado com o próprio Deus (ver Génesis 16:10-13; 21:17; 22:15,16; Oseias 12:4; cf. Génesis 32:28, etc.). nesta perspectiva, Nabucodonosor não tem dúvidas. Ele chama os três hebreus e convida-os a sair. Isto fazendo, ele reconhece a sua derrota. Ele admite que eles estão ali, e que eles estão em condições de saírem pelos seus próprios meios. Humilhado, o rei reconhece que este assunto não se trata exclusivamente ao nível humano, mas está bem acima, com o próprio Deus, o Deus que está fora das coisas vulgares. Nabucodonosor não consegue impedir a recordação do seu sonho (Dan. 2) de outrora: é o mesmo Deus. a expressão que ele utiliza para O designar”: Então chegando-se Nabucodonozor à porta da fornalha de fogo ardente, falou, dizendo: Sadraque, Mesaque e Abednego, servos do Deus Altíssimo, saí e vinde! Logo Sadraque, Mesaque e Abednego saíram do meio do fogo.” Daniel 3:26, lembrando a sua confissão de então “Deus Altíssimo”, ou “Deus dos deuses” (2:47).

12 de julho de 2010

OS TRÊS JUDEUS NA FORNALHA - 1

“Então Nabucodonozor, na sua ira e fúria, mandou chamar Sadraque, Mesaque e Abednego. Logo estes homens foram trazidos perante o rei. Falou Nabucodonozor, e lhes disse: E verdade, ó Sadraque, Mesaque e Abednego, que vós não servis a meus deuses nem adorais a estátua de ouro que levantei?” Daniel 3:13,14.
Apesar de só três judeus serem acusados pelos caldeus, o rei hesita. Ele não dá ordem imediata de executar os culpados. Ele sabia que estes três hebreus trabalhavam há já alguns anos no palácio sob as suas ordens, e quer dar-lhes uma oportunidade de explicarem o que aconteceu e de se retratarem. Era este o propósito do rei ao convocá-los e colocar-lhe a seguinte pergunta: “É verdades...que vós...” (v.14). Ou seja: será possível que o tenhais feito deliberadamente? Talvez eles não tenham compreendido a ordem do rei e o que isso representava. O rei repete palavra a palavra a ordem de adoração: “Agora, pois, se estais prontos, quando ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz, bom é; mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro duma fornalha de fogo ardente; e quem é esse deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dan. 3:15) nesta confrontação sobressaem duas mentalidades religiosas irreconciliáveis:
a) A religião de Nabucodonosor, tal como a de todos os caldeus, é uma religião do imediato: “estais prontos, quando ouvirdes...”, “para vos prostrardes...”, “se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora,” (v:15). Para o rei e para os caldeus só o presente contava, não tem uma perspectiva do futuro “e quem é esse deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (v.15)
b) Para os judeus, a religião está ligada ao futuro. “Eis que o nosso Deus a quem nós servimos pode nos livrar da fornalha de fogo ardente; e ele nos livrará da tua mão, ó rei.” (Dan. 3:17). Os judeus vão mais longe do que o “se não” (v.15) ameaçador do rei, ao responder: “Mas se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste.” (Dan. 3:18). Este “se não” introduz o risco da fé, e projecta-se mais longe que um futuro próximo ou imediato. É a mesma expressão aramaica hen la (se) (...)não, ou senão que é utilizado. Os contrastes entre os dois conceitos de religião são aqui flagrantes. Tal atitude ultrapassa a compreensão do rei que realiza de repente que os hebreus estão para além do seu poder. Ao argumento do imediato eles respondem com a esperança do futuro. Ao argumento do fracasso, eles respondem pelo serviço desinteressado.
Aqui reside toda a diferença entre a idolatria e a religião de Israel. A idolatria é uma religião que se constrói a partir de baixo, religião ao nível do homem e à sua imagem, religião de ídolo-objecto sem vida que pode ser manipulada como um instrumento de bênção ou maldição. A religião de Israel, ao contrário, é uma revelação que se dá a partir do Alto, religião de um Deus vivo com O qual se constrói uma relação pessoal feita de amor mas também de interrogações. Eis a razão, mesmo si este Deus não salva da situação difícil, mesmo se Ele não abençoa, o Hebreu continua a permanecer-Lhe fiel e a dar-Lhe a sua adoração, apesar de tudo.

1 de julho de 2010

OS CALDEUS ACUSAM OS JUDEUS (Sadraque, Mesaque e Abednego).

“Ora, nesse tempo se chegaram alguns homens caldeus, e acusaram os judeus. E disseram ao rei Nabucodonozor: Ó rei, vive eternamente. Tu, ó rei, fizeste um decreto, pelo qual todo homem que ouvisse o som da trombeta, da flauta, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, se prostraria e adoraria a estátua de ouro; e qualquer que não se prostrasse e adorasse seria lançado numa fornalha de fogo ardente. Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abednego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; os teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste.” Daniel 3:8-12.
Uma vez mais, tal como no capítulo 1º capítulo, os hebreus distinguem-se pelo seu comportamento de contra corrente. O texto não especifica onde eles são e nem o que eles fazem para marcar a sua resistência. Ou eles ficaram nas suas casas e portanto são os únicos ausentes em Dura, ou então, estão presentes e colocam-se em destaque pelo facto de não se colocarem de joelhos como todos os outros. Eles são únicos na multidão. O capítulo só realça os três hebreus. Nada é dito a propósito de Daniel e dos outros hebreus. É muito provável que o número dos resistentes não se limita a estes três: Sadraque, Mesaque e Abednego.
O texto faz uma pequena referência “se chegaram alguns homens caldeus, e acusaram os judeus.” (Dan. 3:8,12). Uma evidência dos caldeus se centrarem nestes três homens é por estes terem recentemente sido nomeados administradores de Babilónia. Esta escolha, os caldeus nativos da região e pretendendo para eles tal privilégio não suportaram de bom grado. Por detrás do seu zelo religioso e administrativo esconde-se a inveja mórbida. O seu fervor psedo-religioso não é de inspiração pelo cuidado sincero de manter o culto e a adoração ao seu deus. Trata-se de uma ambição desmesurada que os anima.
Tal evidência releva dos três argumentos que apresenta e que se centram no rei e não no deus. “Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abednego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste.” (Dan. 3:12). O seu comportamento é mais de carácter politico do que religioso. O que lhes interessa não é tanto o facto de eles não se curvarem diante da estátua mas o de pôr em causa a estes judeus e aceder deste modo aos lugares que lhes foram atribuídos.
A expressão aramaica utilizada para traduzir a acusação é em si mesmo sugestiva: “comer os judeus” (v.8). A calúnia tem semelhanças com o canibalismo. Indo relatar ao rei as fraquezas dos colegas, deseja-se colocar em perigo a sua situação, o seu ganha-pão e mesmo a sua vida. Todos estes conceitos levam a supor o desejo de devorar.
Está escondido numa aparência de zelo da parte dos delatores um perfil assassino que visa nem mais nem menos que a morte do rival, o complô tem este objectivo. É a lição que se colhe desta passagem e da leitura deste texto.
No que diz respeito a Daniel, um dos governadores, um “sátrapa”, é superior a eles na ordem hierárquica, e por consequência fora do alcance destes espias. A sua alta posição o excluía de ser posta em causa a sua integridade. O complô estava montado por “alguns homens caldeus” (v. 8). Os sátrapas não estão implicados nesta traição.
Por outro lado, é bem possível que por esta altura as responsabilidades de Daniel o tenham levado para longe deste lugar. Nas últimas palavras do capítulo 2, somos alertados que “Daniel permaneceu na corte do rei.” (2:49). Esta é uma expressão que nos dá ideia das altas responsabilidades desempenhadas por Daniel (ver Deuteronómio 16:2; Rute 4:12; Ester 3:2), a tradição judaica conserva a interpretação que esta linguagem significa que Daniel poderia estar em qualquer parte do império em representação do próprio rei. No contexto percebe-se que esta frase é idiomática no Talmud para designar um escravo que está longe do seu mestre (Erubin 72ª).
Daniel estava fora do alcance deles pela sua posição administrativa, mas também em termos geográficos. Por aquilo que possa representar todos os outros hebreus, os caldeus preferiram nada dizer. Se um grande numero fosse envolvido, o rei teria muito provavelmente desvalorizado a situação. Portanto, a melhor táctica para conseguir os seus fins era de manter alguma modéstia. Assim os caldeus centraram-se nestes três hebreus, até porque eram os únicos colegas directos e por consequência os únicos que verdadeiramente lhes interessava. Limitando-se a estes três, os caldeus asseguravam a eficácia do seu plano.
“A maior batalha que se trava contra o mal só é vencida por aqueles que se exercitam na disciplina moral e se acastelam em um caráter bem formado.” Jean de la La Bruyère.